Despida ao poente

Onde é que encontro a perfeição solene

Do sol poente? 

As variadas cores saltam aos olhos 

Em um instante em que tudo é tão efêmero 

E tão urgente.

É ao contemplar o crepúsculo que eu permito os sentimentos 

Que correm pelo meu corpo, tal qual uma carga de eletricidade.

E entregando-me a esse vulnerável momento passageiro, 

– Para que esses mesmos sentimentos também se ponham e despeçam-se de mim, movendo-se junto com o sol – 

Eu calo essa voz desconhecida e contemplo tudo, silentemente.

Sinto-me deslocada progressivamente, violentamente…

Num grito estridente, destacado e autoflagelante,

Me descubro uma fraude prestes a ser flagrada em uma infâmia desconcertante.

Eu desesperadamente não me encaixo em nada, a não ser aqui, diante deste sol 

Que vai partindo sem dizer nem adeus, sem qualquer cerimônia. 

É aqui, nesse único segundo pálido, que eu compreendo inconvenientemente 

Todos eles, príncipes na vida, Fernando… 

Aqui, resta apenas a escuridão abandonada pelo ocaso. 

Uma réstia de memória desconectada do espetáculo poente. 

Falham-me as palavras todas, 

Abandonam-me os pensamentos mais primários. 

Tropeço a resfolegar,

E logo estou despida diante de mim.

Sigo nua dentro do meu próprio corpo, 

Mirando cada defeito, toda falha, em metódico escrutínio, 

Mas louvando cada descoberta. 

E quando o céu já se vê engolido pela escuridão, 

Salpicado de estrelinhas brilhantes, 

Todas elas delicadas e alheias à minha angústia, 

É que se desfazem as inseguranças estapafúrdias e infundadas. 

Não, não estou mais amuada. 

Abraço a noite em celebração, encontrando a gratidão.

Encerro um ciclo,

Renovo-me nas coragens, nos ímpetos e ousadias – quase tardias. 

Estreita-me a intimidade e, corada, já me encaixo 

Perfeitamente em tudo que me rodeia. 

E aquela perfeição solene,

Que eu buscava insistentemente,

É celebrada cerimoniosamente na noite vigente.

Publicado por Fernanda Serpa

Formada jornalista há 15 anos, sou produtora de conteúdo freelancer. Especializada em redação web, também tenho grande carinho pela criação de ficções e poesias. Sou budista, mãe do Dante e culinarista por hobbie.

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