Despida ao poente

Onde é que encontro a perfeição solene Do sol poente?  As variadas cores saltam aos olhos  Em um instante em que tudo é tão efêmero  E tão urgente. É ao contemplar o crepúsculo que eu permito os sentimentos  Que correm pelo meu corpo, tal qual uma carga de eletricidade. E entregando-me a esse vulnerável momentoContinuar lendo “Despida ao poente”

sentimento analítico

Dia desses eu vinha dizendo que estava sem tempo para dedicar aos dramas da minha vida. Sim, lembro-me bem que eu disse não ter mais tempo para esse romantismo ao qual eu me envolvia tão facilmente.Fiquei surpresa ao ver, resumido e pronunciado por mim mesma, uma nova vertente surgindo em meu ser. Se eu endureciContinuar lendo “sentimento analítico”

Vende-se:

Memória da infância, Cristais e bombonieres, Baccarat, Bico de Jaca… Estilhaçados na lembrança, História familiar,Poltrona de veludo, desveludada, peculiar,Papel de parede, amarelado e reformado,Oratório, arte sacra, empoeirado. Vende-se com urgência:Fumante na janela,Gomas na lapela,Aulas frustradas de violão,Led Zeppelin e The Beatles no bolachão,Polar de sábado,Sorvete de uva e bombocado. Aceita-se conformismo como pagamento.

Catorze de Junho – Homenagem

Cerremos esta porta.Devagar, devagar, as roupas caiamComo de si mesmos se despiam deuses,E nós o somos, por tão humanos sermos.É quanto nos foi dado: nada.Não digamos palavras, suspiremos apenasPorque o tempo nos olha.Alguém terá criado antes de ti o sol,E a lua, e o cometa, o negro espaço,As estrelas infinitas.Se juntos, que faremos? O mundoContinuar lendo “Catorze de Junho – Homenagem”

Ovação aos Quocientes

Eu, que nem tinha o que dizer, fui tropeçando em vírgulas e sopetões. Eu, que nem sabia o que escrever, acabei rolando o carvão na celulose. Quando dei por mim, havia um discurso pronto, uma plateia formada, animada… reanimada pelas vastas  viagens do meu cérebro. Eu não vi a bailarina girar nos dois sentidos eContinuar lendo “Ovação aos Quocientes”

Ela é a Inocência dos Anjos

A lua está laranjaE a noite, nublada.É aquele final de tarde atrasado do horário de verão.Ouço, aqui da janela, as crianças a brincar no parqueE os carros passando na sempre agitada avenida onde moro. Hoje, no dia dos mortos, mostrei à minha avóA poesia que fiz para ela.Ela não conseguiu ler até o finalporque osContinuar lendo “Ela é a Inocência dos Anjos”

Meus Amigos – Por Érico Marin

Meus amigos já não são os mesmos.Alguns estão mais magros,outros quase casadose os que não se perderam de vez,já encontraram seu rumo. Meus amigos já não são aqueles –músicos, poetas, loucos, bêbados.São agora pais, maridos ou funcionáriose os que não são nada ainda,é porque estão desempregados. Meus amigos agora são assim:de vez em quando parecemContinuar lendo “Meus Amigos – Por Érico Marin”

Sou Inocência dos Anjos

Nasci à porta da igreja, debaixo da pipa, na vasta Preguiça. De lá, de minha terra patrícia, parti olhando sempre em revés e deixando, na poeira da estrada, as lágrimas de minha mãe a acenar um adeus perdido. Entre as dores do mundo novo, ganhei três raras joias. Eis que nunca darei-me conta, mas aContinuar lendo “Sou Inocência dos Anjos”

Sabedoria no olhar

Pode alguém que viveu muito ter pouco conhecimento ou parca sabedoria? Ao vento, a inocência dos anjos pronuncia: Se o novo soubesse e o velho pudesse, não havia o que não se fizesse. O olhar pesado e brilhoso, indecifrável sob as rugas, torna aos nossos precoces olhos a ingenuidade. Dentro do meu louco romantismo, observarContinuar lendo “Sabedoria no olhar”

Antiga poesia do eu distante

Do meu antigo caderno de poesias resgato esta em especial, que se destacou aos meus olhos sem explicação racional. Já não vivo mais essa fase tão melancólica, mas a beleza do poema persiste. Morre a Sutilidade E a morte dele deu-se exatamente Por ter-se esquecido de dizer. Mas, dizendo, poderia matar a sutilidade. Alguém temContinuar lendo “Antiga poesia do eu distante”

Pequenas grades

Um ócio acima do desejado, sonolento, odiado, rejeitado pelos olhos cujas pálpebras insistem em os cobrir. Fuga para leituras alternativas. Algo que traga alguma avidez para o momento. Parco é o resultado. A atenção se desvia, Morfeu retorna. Eis que surge, envolto em uma luz dourada um texto interessante! 15 minutos de leitura e, comoContinuar lendo “Pequenas grades”

Degelo cerebral

Há mais de uma semana que a Paulicéia ferve num verão impiedoso e ‘desvairado’. Não imaginava o saudoso Andrade que seria assim que viveriam “…estes homens de São Paulo, todos iguais e desiguais… uns macacos”: suados, apressados, desinteressados, abarrotados nas lotações, nos metropolitanos e nas calçadas quentes. Será que estamos já a nos acostumar comContinuar lendo “Degelo cerebral”

Ao aniversariante, Casimiro.

Poeta tão brasileiro como este, é raro. Mas das palavras deste jovem patriota, as que mais gosto são as inocentes e apaixonadas. Meus oito anos Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras ÀContinuar lendo “Ao aniversariante, Casimiro.”

Sinestesia esfumaçada

A passos atrapalhados, a tarde diminui a existência.Trôpega, perde os detalhesE funde o caolho com a cor poética da lua que aponta tímida e envolta na fumaça. A dor é surda…Colocam-se a andar as Dalilas e os Sansãos para, em vão, no vão triste, protegerem-se das rosas. Cortam-se os cabelos, perde-se a força,escoa-se a esperança.Continuar lendo “Sinestesia esfumaçada”

eles leem histórias do semiárido

Eu tive uma ideia! Antes de ir à farmácia comprar uma injeção anti-inflamatória para o meu vizinho antissocial, vou ao mercado comprar linguiça acriana para o meu marido. Depois, preciso que minha filha me ajude e enxágue cinquenta peças de roupa que estão de molho no tanque. E ainda preciso tirar pelo pelo menos doContinuar lendo “eles leem histórias do semiárido”