Hoje, enquanto eu fazia as minhas orações diárias, o Dante adormeceu no meu colo. Foi um instante de pura paz e gratidão, em que o silêncio era rompido apenas pela suavidade da repetição do Nam Myoho Rengue Kyo. Que poderoso instante!
Enquanto eu mentalizava meu dia, entoando o mantra, lembrei como eu estava irritadíssima cerca de 30 minutos antes desse místico momento. Saí muito rápido do meu estado de inferno para um estado de tranquilidade. Era, então, o fim de um dia agitado. E eu fui abraçando esse momento e agradecendo tudo que eu tenho e tudo que ocorreu, mesmo as coisas que mais me irritaram ou incomodaram hoje e nos últimos dias que se passaram. Lembrando de cada momento, parei o pensamento no meu pai.
Entoando continuamente o Daimoku, eu mentalizei fortemente meu perdão ao meu pai e meu perdão a mim mesma por ter me permitido por tanto tempo sentir raiva dele. Perdoando cada falha, cada ausência, cada mentira dele, profunda e verdadeiramente. Eu repeti incontáveis vezes esse mantra e esse perdão, lavando toda a energia incrustrada de dentro de mim para fora, e fui me sentindo leve. Foi quando eu olhei para o Dante e ele também, em relaxamento total, já dormia.
Até o torcicolo e a tensão nas costas, até a dor de cabeça foi passando e eu pude contemplar um prazer inigualável de leveza. Minha mente ficou totalmente vazia. Eu encerrei minhas orações, coloquei o Dante na cama dele e me sentei diante do computador com uma necessidade, talvez até urgência, de escrever este momento. Pois eu quero lembrar dele por muito tempo. Lembrar de como foi difícil o dia 27 de outubro, quando eu decidi ir pessoalmente até a casa do meu pai falar com ele sobre o estado de saúde do irmão dele, já que não respondia ao telefone. Eu lembro como eu me senti naquele momento de catarse, purificação e resgate. Eu sabia que precisava estar lá, naquela casa. E eu sabia que seria a última vez que eu estaria lá. Foi o encerramento de um longo processo de dor e raiva. Ali começou o meu perdão. Alguns dias depois, meu tio viria a falecer, depois de quase um mês de luta.
E místico também foi o meu encontro com o outro irmão dele, o gêmeo, que rompeu relações com a família inteira e, por este motivo não sabia da morte do irmão mais velho deles. Era o segundo turno das eleições para prefeito, domingo, dia 29 de novembro. Eu desisti de voltar para a casa da minha mãe a pé, pois começou a chover. Parei em frente à escola e chamei um carro de aplicativo. Ainda pensei em entrar na escola, mas uma força inexplicável me convenceu a preferir uns pingos esporádicos debaixo da árvore. Foi quando ele parou ao meu lado. Não me reconheceu quando eu chamei. Eu tive uma conversa extremamente bizarra e curta com ele, pois o carro havia chegado. Fazia, eu acho, uns 12 anos que eu não o via. Dei a dura notícia da morte do irmão que sempre foi muito ligado a ele e saí de lá sem olhar para trás. Foi, então, outro marco do processo de resgate. Encerrei ali a minha missão para com eles também. E isso foi libertador.
Então, se naquele dia iniciou o processo de perdão, hoje encerrou. Hoje, diante do Gohonzon, com toda sinceridade e coração aberto eu posso dizer, feliz: pai, eu te perdoo. Este foi realmente um dia ótimo para mim e sou grata, eternamente grata. Nam Myoho Rengue Kyo.