Pós-Covid

Casos de Covid no Brasil até hoje: 16.911.134 infectados totais no Brasil. 472.787 mortes totais.

Eu contraí Covid! Entrei para a temida estatística.

Na manhã do sábado dia 22, quando a minha mãe foi fazer um procedimento médico eletivo em uma unidade hospitalar, ela realizou o teste de Covid como protocolo, preventivamente, e o resultado foi positivo.

Por precaução, eu fiz também o exame, também com resultado positivo.

Sem ter o que fazer e ainda me sentindo muito mal, eu tomei dipirona e dormi na minha cama, certa de que seria suficiente para recuperação, da mesma forma que foi para o Júlio. Àquela altura, ambos sabíamos que as chances de ele estar também contaminado eram altas, mesmo tendo realizado duas vezes o exame com resultado negativo (no terceiro teste, inconclusivo, ele apenas podia elocubrar as possibilidades.

Dois dias depois, eu decidi ir ao hospital pois estava com alguma dificuldade para respirar e um cansaço fora do normal. Beijei rapidamente filho e marido e disse “volto logo”. Mesmo com o grande mal estar, era estranho e difícil identificar se aquilo era uma falta de ar. Acreditei que iria fazer um exame, receber medicação e ser liberada para casa. Porém, acabei sendo internada com urgência na UTI, passando apressadamente pela triagem.

O atendente da triagem foi medindo temperatura, pressão, saturação… Eu perguntei como estava a minha oxigenação. Ele respondeu: “não tá boa, não”. Então, rapidamente ele chamou o segurança com a cadeira de rodas.

Tudo aconteceu tão rápido: fui entrando em pânico deitada na maca e sendo levada às pressas para o leito. Antes de me liberar para a UTI, o médico que me atendia, falando rápido, explicou a situação, com saturação baixa, todo quadro infeccioso no pulmão e outros detalhes assustadores. “Você tem alguma dúvida?”, ele perguntou. E então, com medo pronunciar as palavras, eu indaguei “eu vou ser intubada, doutor?”

Ele disse: “não”, tentando me tranquilizar.

Naquele momento eu cogitei se ele estava me poupando de uma dura verdade. Será que ele estava mentindo pra mim? Tive pavor de não poder ver meu filho novamente. Eu ficava constantemente olhando o monitor enquanto meus números de referência apareciam ali. A enfermeira me disse: “vai ficar olhando toda hora os números, vai ficar com torcicolo. Se acalme”. O tom de brincadeira e suavidade que ela usou até que serviu para me acalmar…

Então, troquei mensagem com o Júlio:

– Vou internar para receber oxigênio e antibiótico, fazer tomografia.

– O que o médico disse? Será UTI, ou quarto normal?

– UTI, amor. covid. Ele falou que eu tô nervosa.

– Sim, se acalme e repouse

– Sim. A oxigenação tá em 95 já eu vou ficar bem. Depois mando notícias. Te amo.

– Também te amo.

Quase que imediatamente eu comecei a fazer daimoku mentalmente, dissipando a dúvida no meu coração, pois eu não tinha fôlego nem para falar, então ia mentalizando daimoku sem parar…

Era difícil demais respirar. Mas a mente estava ativa! Eu fazia daimoku em silêncio e determinei que eu iria viver!

No meu pensamento surgiu a frase de Nitiren Daishonin: “Sofra o que tiver que sofrer, desfrute o que existe para ser desfrutado, considere tanto o sofrimento como a alegria como fatos da vida e continue orando, não importa o que acontecer, e então experimentará a grande alegria da Lei.”

Então, eu lembrei que cada oportunidade de fazer daimoku é digna de grande sorte. E eu ali, solitária, no hospital, eu segui realizando daimoku incessantemente, sem retroceder um segundo sequer e acreditando na lei mística. Acreditei a cada segundo que eu iria vencer infalivelmente. Acreditei que eu iria voltar para casa e ver meu filho! Abraçar meu filho! Ver meu filho crescer.

Eu entrevistei os enfermeiros e auxiliares. Alguns até começavam a desabafar sem que eu nem precisasse perguntar nada. Teve uma auxiliar de enfermagem que disse que a parte mais dura do trabalho dela é dizer pra um paciente que vai ficar tudo bem quando não vai. Disse que corta o coração. Engoli seco sem responder nada a ela.

Eu falava com o Júlio para atualizá-lo de cada pequena novidade:

– Já tô instalada na UTI. Vou ter de fazer xixi na cumadre. A enfermeira falou que vou ter que ficar “alguns dias”. Ninguém aqui no meu andar está intubado, estão todos acordados.  – Espero que continue assim.

– Faz daimoku, amor, pra eu sair logo…

– Eu já fiz e vou fazer mais. Você está se sentindo como?

– Normal. Oxigenação tá 96. O oxímetro de relógio não funciona, pois eu cheguei ao hospital com saturação 88 e o relógio mostrava 97. Tomei Decadron e Rocefin. 

– Dormiu um pouco?

– Não consegui dormir ainda. Não é pra falar pra minha mãe que eu to aqui. Ela não precisa dessa preocupação agora.

Havia noites em que eu passava de 39 graus de febre, muita tosse, desconforto, dificuldade para puxar o ar e respirar, náusea, vômito, intenso sangramento nasal, dores absurdas! A preocupação com o risco de intubar e com o risco de trombose era imperativa. Nenhum desses momentos eram impedimento para meu daimoku. Pelo contrário. Era aí que eu orava com mais força!

– Bom dia, amor. Estou com 39º de febre. Tomei um anticoagulante, antibiótico, remédio pro estômago, pra febre, tô um pouco melhor. Devo ficar 7 dias pra tomar todo o antibiótico

– Bom dia. A médica disse que temos que aguardar exames pra saber se seu quadro está melhorando ou não, mas que você não tem risco de intubação. E que por enquanto você deve ficar aí.

Em determinado momento, acho que na quarta noite na UTI (estava difícil mensurar o tempo ali, pois cada hora parecia uma eternidade), a saturação caía um pouco quando eu dormia. Então, os enfermeiros me acordavam quando eu adormecia. Foi bem cansativa e longa a madrugada. Eu tive novamente medo de ser intubada.

A médica me deu um Rivotril pra eu dormir, aí eu puxei o cobertor. Fez frio essa noite. Eis que às 4 da manhã o enfermeiro vem tirar meu cobertor ao ver que eu tô com 39 de febre…. Ele foi todo jeitoso mas eu acordei assustada e não dormi mais. Aí deu vontade de vomitar… Mas depois de todos os remédios tô melhor… Fiz a fisioterapia pra fortalecer o pulmão… Fica um gosto estranho na boca não sei porquê. Talvez os remédios ou catarro.

Continuando a conversar com o Júlio, eu falava de outros assuntos:

– O médico da minha mãe me falou que ela também não vai intubar.

– Que bom! Boa notícia.

– Depois quero falar com o Dante. Amor, lembra de regar as plantas.

– Ok, eu rego.

Nas noites boas, em que eu dormia mais horas seguidas, acontecia uma coisa bem bizarra. Ao abrir os olhos, tudo estava verde, como se uma luz daquela cor estivesse iluminando todo o ambiente. Esse fenômeno durava cerca de dez segundos, e então a imagem e a minha visão iam voltando ao normal, com a cor natural do ambiente.

Além disso, tudo tinha gosto esquisito. Fui tentando comer o máximo possível.

Estavam presentes, além do desconforto físico, a solidão e a tristeza. Eu nunca havia ficado tanto tempo longe do Dante. Não conseguia nem ver foto dele que eu chorava. Várias mensagens dos amigos, da família, o daimoku eram minha resposta. Eles eram a minha luz nas horas mais sombrias.

Acordei o Júlio com uma mensagem logo cedo:

– Fiz um raio-X agora. Tem um exercício de fisioterapia que consiste em uma máscara que libera grande quantidade de vento por 1 hora. Tem que fazer 2x por dia. Aí o braço apertou pra medir a pressão bem na hora do exercício e ainda teve o RX bem nessa hora. Tudo junto e muito desconfortável. Eu tô muito cansada e solitária. É claustrofóbica essa máscara.

– Eu imagino. Você está com olheiras.

– Dormi pouco. Vou pedir outro Rivotril.

– Tiramos o lixo, estou me sentindo cansado mentalmente. Como você está aí?

– Com muito sono. Tô com medo de dormir e perder oxigenação. Não dormi muito bem essa noite. Mudaram o cateter de oxigênio para um de calibre mais grosso, que eles chamam aqui de alta capacidade. Pois quando eu durmo, a oxigenação baixa. Eu percebi que tava com o nariz entupido, foi só pingar soro e assoar que tá 92. Como você está se sentindo?

– Acordei muito bem. Ontem antes de dormir fiz 15 minutos de Daimoku e o Dante quis dormir no colo. E depois da oração me senti leve e saudável e relaxado. Fazia tempo que não me sentia assim…

– Que bom, amor. Eu preciso de vocês dois saudáveis para mim.

– Dante está aqui dormindo bem gostoso.

– Saudades…

– Eu também… Acho vou dormir mais um pouco…

Conforme os dias foram passando, eu sentia que ia me recuperando lentamente. Eu já conseguia fazer chamadas de vídeo com o Dante e já não estava mais pesarosa. E falava com esperança e planos para o futuro.

Eu orava pelo Júlio, que estava já recuperado com seus devidos anticorpos em casa e podendo cuidar do Dante, dos gatos, das plantas, da casa. Tive gratidão pelo emprego do Júlio, do chefe tão compreensivo dar licença para ele poder cuidar de tudo na minha ausência. Também agradeci a boa sorte de ter um convênio tão bom em um hospital de excelência em atendimento e hospitalidade.

– Bom dia, amor.

– Bom dia, more. O Dante perguntou: “Papai, qual seu carro favorito?”. “Lamborghini”, eu respondi. E ele perguntou depois: “Qual que é a “LamborghiMe”? Me mostra no seu “celulai”. Mostrei e ainda mostrei que as portas abrem pra cima. Ele pirou e comprei um de brinquedo para ele.

– Que lindo!

– A médica ligou e falou sobre a sua troca de oxigênio para a alta capacidade, além da sua piora na oxigenação.

– Mas devemos nos preocupar? Eu preciso estar relaxada e não posso passar nervoso! Agora fiquei ansiosa! Estou com 91 de oxigenação agora!

– Ela falou que você está cooperativa na fisioterapia.

– Essa fisioterapia é difícil. Agora bateu 93 o oxigênio!

Eu orava pela minha mãe do outro lado da cidade, em outro hospital, com alto risco de ser intubada. Ela não saía do meu pensamento. Pela saúde dela, pela sua recuperação, eu orava. Teve alguns dias até em que eu consegui falar com ela por videochamada. Suavizou um pouco a saudade dela.

Os dias passavam e minha força voltava, fui aos poucos sendo desmamada do oxigênio do cateter, que me deu suporte desde o primeiro minuto de estadia no hospital. Psicologicamente foi assustador aprender a respirar de novo por conta própria.

– Amor, minha febre baixou pra 36,1 e não precisei de tylenol essa tarde. Minha saturação está 96. O médico disse que está gostando de ver a forma como eu tô respirando. Me animei bastante aqui também. E a minha mãe está sendo transferida para outra unidade da Prevent Senior. Mas a boa notícia é que só quem está bem, em recuperação ou bastante estável será transferido. Ou seja, o quadro clínico dela está bom o suficiente pra transferência!

– Sim. Ótimas notícias!

A cada conquista, minha a gratidão só aumentava. Eu nunca imaginei que caberia tanta gratidão no meu coração. Eu passei a fazer daimoku pelos pacientes ao meu lado, que estavam em bem piores condições que as minhas. Alguns estavam até intubados. Eu orava para que todos pudessem sair da UTI também e reencontrar suas famílias.

– Oi amor. Voltou para 38º a febre.

– Como você está se sentindo agora?

– Acabei de fazer a fisioterapia. É bem difícil.

– Você sente uma melhora depois da fisioterapia?

– Sim, uma expansão pra respirar.

– Que bom! Muita gente está em oração para vocês melhorarem!

– Eu sei. Eu também tô orando muito. Cuida do Dante. Eu volto logo. Eu amo vocês.

– Estou cuidando sim claro. Também te amamos. Dante fez a recitação ontem comigo pra você voltar logo pra casa.

– Fofo. Eu não quero nem ver foto dele que eu choro.

Eu também orava pelos enfermeiros e médicos, e auxiliares e as cozinheiras do hospital que cuidaram tão dedicada e humanisticamente de mim. Ah, eu fazia um esforço danado pra comer! Era tão difícil com aquela náusea!

Os dias passaram, e eu fui respondendo bem ao tratamento, lutando para respirar depois de oito longos dias na UTI, recebi alta para o quarto, onde fiquei 2 dias antes de ser liberada para casa.

Finalmente eu saí do hospital! Que alívio estar novamente em casa. Eu já nem estava mais me questionando como foi que contraímos o Covid. Nós praticamos isolamento e nos cuidamos com todos os protocolos de máscara e álcool. Simplesmente aconteceu. É um vírus perigoso ao qual estamos todos suscetíveis. E isso me deu a oportunidade de transformar o veneno em remédio. De orar e intensificar ainda mais a minha fé.

Ao chegar em casa, eu me ajoelhei e abracei o Dante. Eu apertava os braços e pernas dele, percebia como ele havia crescido. Ele ficava segurando meu rosto com a mãozinha dele…

Acho que depois de uns 8 abraços, beijoquinhas no nariz, pescoço, orelha, barriga, eu peguei o Anakin e afofei ele ali mesmo ajoelhada no chão. Só depois eu levantei com a ajuda do Júlio e abracei ele: “Que barba grande, como você está lindo, amor!”, comentei enquanto acariciava o seu rosto… Aí chorei mais uns minutos abraçada nele.

Essa experiência toda nos mudou completamente, física e emocionalmente.

Os remédios que eu tomei, que eu me lembre, pois eu sempre perguntava, eram antibiótico Rocefin, que custou aproximadamente R$ 1400,00 cada dose, tomei corticoide Decadron, Prednisona, Codeína xarope expectorante, anticoagulante, remédios diversos pra dor, outros tantos para proteger o estômago, um deles chamado pantoprazol, também o próprio oxigênio… Se não fosse o convênio, acho que no particular meu tratamento sairia por bem mais de R$ 60 mil reais, contando com a internação e outros custos adicionais.

Ainda tenho várias marcas de hematomas das injeções de anticoagulantes aplicadas na barriga.

Juro! Se algum médico viesse me oferecer cloroquina ou ivermectina, eu mandaria enfiar em outro lugar. Claramente o Hospital São Camilo, onde eu fiquei internada, segue a linha coerente da ciência. Fui muito bem atendida e medicada.

Agora, em casa, eu sigo fazendo minhas tarefas em bem menor ritmo. Sinto, porém, bastante cansaço com coisas simples, como escovar os dentes, tomar água, lavar alguns pratos… Ficar abaixada, agachada ou levantar peso? Impossível ainda!

Publicado por Fernanda Serpa

Formada jornalista há 15 anos, sou produtora de conteúdo freelancer. Especializada em redação web, também tenho grande carinho pela criação de ficções e poesias. Sou budista, mãe do Dante e culinarista por hobbie.

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